Wallpaper: Waiting for Sunset, San Diego, California.
“[…]
– Querida, eu quero que você imagine uma noz, certo?
– … – ela não respondeu, ainda emburrada com a mãe.
– Certo? Viotti insistiu.
– Certo.
– Se eu lhe der uma noz fechada, o que você faz? Você coloca na boca e come?
– Dã! É claro que não. Nozes têm casca!
– Ariane… – voltou a dizer a mãe, com uma voz grave. Ariane resolveu não piorar o estado de humor dela e tentou levar a sério a conversa.
– Então, o que você faria primeiro?
– Eu quebraria a casca.
– Por quê?
– Porque não se pode comer a casca!
– Por quê?
– Porque é horrível!
– Conheço animais que a comeriam…
– Mas não é pra isso que serve a casca!
– É pra quê?
– É para proteger o que está dentro dela, entendeu?
– E o que está dentro dela?
– A noz!
– Mas a casca também não faz parte da noz?
Ariane estava começando a ficar nervosa. Já era impaciente por natureza; aquelas perguntas só a deixavam mais agitada.
– Tipo… é assim, ó: a casca faz parte da noz só porque protege a noz, sacou? Mas ela não é a “noz-noz”, entendeu? Ela só faz parte. Mas a noz de verdade está dentro da casca, tá me entendendo?
– Hum…
Madame Viotti pareceu muito satisfeita. Balançou a cabeça algumas vezes e voltou a sorrir.
– Querida, imagine agora assim. Imagine que nós somos formados de energia semidivina, mas que somos parecidos com essa noz que você pensou, certo?
– Tá. – Ariane começou a prestar mais atenção naquela conversa. Até se esqueceu de que estava emburrada com a mãe.
– Imagine que, assim como você mesma explicou, nós tivéssemos uma casca ao nosso redor que nos protegesse. Uma proteção um pouco mais… forte, que nos envolvesse.
– Hum… hum…
– Mas, ao mesmo tempo, imagine que essa casca fosse a gente, mas ao mesmo tempo não fosse exatamente a gente. Que o que quer que nós sejamos só pudesse ser realmente encontrado dentro dela. E essa proteção fosse só uma casca que protege a noz de verdade, entendeu?
– Tá.
– Se você plantar uma noz com casca, o que vai acontecer?
– Ora essa, não vai acontecer nada!
– E se a gente a retirar mais tarde de debaixo da terra…
– Vai estar a mesma coisa.
– E se você plantá-la sem a casca?
– Vai nascer, sei lá, um pé de nozes!
– Então ela vai evoluir para algo melhor.
– Tipo… acho que sim, NE?
– É nisso que devemos pensar.
– Como assim?
– Imagine que esse corpo de carne que você tem, com todos esses olhos bonitos que você tem, fosse apenas a casca de uma noz.
– …
– … e que quem quer que você seja de verdade esteja dentro de você, protegida por essa casca.
– … beleza.
– Se você acreditar que você é apenas essa casca ao seu redor, a sua vida vai ser como a noz que é enterrada com casca, entende? Ela não vai mudar nem evoluir. Não importa o que aconteça, no fim, quando a casca apodrecer, ela vai ser a mesma.
– Tô entendendo…
– Mas se você entender que você na verdade é o que está dentro da casca, então você vai ser capaz de evoluir, como a noz plantada sem ela.
– Certo. Mas o que isso tem a ver com os meus sonhos?
– Quando a gente dorme, a nossa casca se abre.
Ariane ficou em silêncio. Apesar de seu raciocínio juvenil ainda ser limitado perto do daquela senhora experiente, alguma coisa passou a fazer sentido.
– Então… quer dizer que a gente…
– Quero dizer que é um dos modos de a gente ativar a nossa noz de verdade.
– E por que a gente nem lembra direito dos sonhos?
– Porque a maioria acredita que a noz é a casca.
– E por que eu sou diferente?
– Porque você já entendeu que não é.
– Mas você acabou de me explicar isso tudo. Como eu poderia saber disso antes?
– Porque você já plantou a noz. A de verdade.
– … plantei sem a casca?
– Por isso é no sono. E ao longo dele.
– Então nasceu um pé de nozes?
– Então você evoluiu.
[…]
– E, madame… – Era notável como Ariane voltava a falar com aquela senhora de uma maneira não apenas respeitosa como sincera, por um respeito conquistado em vez de imposto. – … o que vai acontecer daqui pra frente?
– O “pé de nozes” vai dar frutos…
– Mas o que são esses lugares que o meu eu de verdade visita?
– São outros planos.
– De quê?
– De éter. Locais como Nova Ether, nascidos da essência de um Criador e outros semideuses que os mantêm vivos.
– Uau. – Ariane estava assustada. Todas aquelas informações davam medo à primeira vista. Mas também era de admitir que, ao mesmo tempo, eram extremamente excitantes.
– E esse é só o primeiro passo…
– Como assim, madame? – perguntou dessa vez a mãe, também um pouco assustada.
– Por enquanto, Ariane precisa do sono, porque ainda não foi treinada. – Ariane mantinha seus típicos olhos arregalados. – Mas, no futuro, ela não ficará presa a essa condição. – Olhos ainda surpresos.
“Logo ela vai aprender a quebrar a casca sempre que quiser.”
Os olhos arregalados não diminuíram. Mas havia nascido um sorriso abaixo deles.
[…]”
Draccon, Raphael. Dragões do Éter Livro 2 Corações de Neve. Ficção. 1ª ed. São Paulo: Textos Editores Ltda. 2009. p. 172-175.